Estudo revela que mexilhões estão contaminados em Guarujá

Trabalho desenvolvido na Unifesp encontrou altos índices de metais pesados em moluscos de praias de Guarujá

Por: Ronaldo Abreu Vaio & Da Redação &  -  30/09/19  -  20:53
Imagem feita na Praia do Guaiúba, um dos locais apontados pela pesquisa da Unifesp
Imagem feita na Praia do Guaiúba, um dos locais apontados pela pesquisa da Unifesp   Foto: Mariana Camparelli/Divulgação

A boa e velha paella, tão popular nas mesas da região, pode estar infestada de metais pesados. Mais precisamente de cobre, níquel e zinco. O agente que anda azedando o prato alheio tem nome: os mexilhões. Mas, antes de condená-los, saiba que eles são as principais vítimas da contaminação que atinge praias na Baixada Santista. O culpado de fato? Ganha uma paella quem adivinhar: o ser humano. 


A alta incidência de alguns metais pesados no mar da região é uma das conclusões do trabalho de pós-doutorado da oceanógrafa Aline Martinez, ligada ao Instituto do Mar, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em Santos.


Entre abril e julho de 2018, Aline pesquisou os hábitos dos mexilhões em seis pontos costeiros de Guarujá: Guaiúba, Astúrias, Morro do Maluf, Mar Casado, Sorocotuba e Iporanga. “Percebemos que, quanto mais urbanizada a praia, maior a proporção de contaminação”. 


O que fazem?


Para entender a amplitude do estudo, é preciso explicar o papel dos mexilhões nos mares. Como eles se alimentam de partículas suspensas e microrganismos, por tabela, acabam filtrando a água marinha. Ou seja, uma bandeira verde da Cetesb tem, pelo menos, o dedinho de um mexilhão. 


Depois de bem alimentado, o mexilhão, como nós, também elimina dejetos. O toalete dele, no caso, é o fundo do mar. Por suas propriedades, esse dejeto é benéfico, pois enriquece o solo e realimenta todo o sistema. 


Outra característica importante: os mexilhões se agrupam nas pedras e formam espécies de recifes, com reentrâncias onde pequenos animais marinhos costumam se refugiar de predadores. E esses predadores costumam nos interessar: são os peixes.


“É como se você tivesse uma planta em casa. Ela não vem sozinha, porque o que oferece irá atrair mosquitos, e eles, lagartixas, por exemplo”, compara o professor Ronaldo Adriano Christofoletti, do Instituto do Mar, supervisor do trabalho. 


A contaminação


O problema com o zinco, cobre e níquel é a quantidade – tanto para seres humanos quanto para mexilhões. Eles são necessários, mas, em excesso, causam males. O estudo concluiu justamente isso: o excesso dos metais vem causando estresse nos mexilhões em relação aos seus processos vitais, de filtragem e eliminação de dejetos.


A pesquisa comprova que os mexilhões contaminados gastam mais energia ao filtrar a água, para tentar eliminar o excesso de metais. “Ocorre da mesma forma quando estamos doentes. Gastamos mais para o corpo se livrar do mal”, compara Christofoletti.


Mas de onde vêm esses metais? Basicamente, de dejetos industriais e do consumo doméstico. Sabe o inocente xampu de cabelo? Pois é, contém metais. Além de produtos de limpeza, plásticos etc. No caso da região, há outro componente, sugerido pelo estudo: tintas anti-incrustantes, usadas em cascos de navio.


“A água da chuva acaba levando óleo de carro, poluição atmosférica, que cai [com a chuva] e acaba no mar. Tudo isso tem componentes contaminantes”, explica Aline. 


Próximo passo


A etapa seguinte do estudo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), é verificar as consequências da contaminação para os moluscos. Haverá influência no crescimento? Na reprodução? Em última instância, os levará à morte? Ou, ao contrário, o número deles crescerá?


Uma consequência já é palpável: ao poluir o mar, o ser humano corre risco à mesa – e não só pelos mexilhões, já que é provável que peixes e outras espécies também estejam contaminadas. Mas onde isso vai parar, ainda não há estudo que responda essa dúvida.


Em campo


Os resultados obtidos no estudo, feito nas praias, diferem de outros realizados em laboratório e ressaltam a importância da pesquisa no ambiente natural.


Segundo analisa Christofoletti, o avanço tecnológico criou uma “corrida ao laboratório”, onde tudo é feito em condições totalmente controladas. A consequência são resultados diversos e, eventualmente, distantes da realidade. 


Para ele, o ideal é a combinação de ambos métodos. “No caso de uma planta, com que você queira provar algo e precisa submetê-la a uma determinada temperatura.


Dá para fazer isso mais facilmente em laboratório, mas não haverá outras condições, como vento, radiação e incidência de luz – fatores que podem modificar o resultado”.


Na medicina


O consumo de peixes e frutos do mar contaminados com metais pesados pode afetar a saúde, avalia a médica ortomolecular Christine Alencar Costa Moreira. O problema, segundo ela, é esse consumo frequente aliado ao contato diário com outras fontes de metais pesados – muitas delas, a fonte da poluição que acaba chegando aos mares.


São os casos da pasta de dente e do desodorante, por exemplo. “É mais fácil tirar da alimentação do que deixar de escovar os dentes”, diz. No caso dos metais identificados no estudo, o excesso, no organismo humano, pode causar males como alterações na tireoide, dores articulares e resistência à insulina. “Mas é possível combater o excesso com antioxidantes”.


Objetivo é revitalizar a costa santista


O estudo sobre a situação dos mexilhões na região é um dos pilares de um projeto, ainda embrionário, de revitalizar a costa urbanizada de Santos com estruturas que se harmonizem aos padrões naturais. Esse processo é chamado pelo professor Ronaldo Adriano Christofoletti de engenharia azul. 


“O caso típico é o da Ponta da Praia. As rochas, por exemplo, não são naturais do ambiente. Na engenharia azul, oceanógrafos e engenheiros trabalham juntos para soluções de construção que se integrem ao ambiente”, explica. 


Trabalho em curso


Segundo ele, já há um trabalho conjunto com um grupo de engenheiros da Escola Politécnica da USP para testes com materiais a que os moluscos possam melhor se adaptar. “Em vez de fazer, por exemplo, um paredão de pedra, utiliza-se um material que pode ser integrado à vida marinha”. 


Essa pesquisa de materiais incluirá, posteriormente, modelos tirados em impressoras 3D de concreto, que serão depositados nos mares para verificar quais organismos que se fixam e em que proporção. 


Selecionado o melhor material, a ideia é propor ao Poder Público e à iniciativa privada a revitalização de superfícies costeiras já existentes, como píeres, estruturas portuárias e canais, com esse outro revestimento.


Engenharia azul


Ela é inspirada no conceito de engenharia verde, desenvolvido por Julie Beth Zimmerman e Paul Thomas Anastas. Por esse conceito, design, comercialização e uso de processos e produtos são feitos de forma a reduzir a poluição e os resíduos. A ideia é promover a sustentabilidade e a diminuição dos riscos à saúde humana, sem sacrificar a viabilidade econômica e a eficiência no processo.


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