A história mostra que as notícias falsas e as mentiras de caráter político são mais recorrentes do que se imagina. Mais uma vez, elas ganham evidência com a proximidade das eleições. Se, antes, era comum o surgimento de jornais apócrifos para prejudicar a imagem de determinado candidato, a sofisticação das campanhas e o avanço da tecnologia permitiram que fatos distorcidos e sem fonte confiável chegassem em questão de segundos a milhares de pessoas pelas redes sociais.
Segundo especialistas consultados por A Tribuna, as chamadas fake news, termo que ficou banalizado nos últimos anos, podem mudar os rumos de um pleito e representam um dos principais desafios contemporâneos para a preservação da democracia.
Para enfrentar isso, entrou em vigor no ano passado a Lei Federal 13.834/19, que prevê pena de até oito anos de prisão, além de multa, para quem fizer denúncia falsa com finalidade eleitoral. Também está sujeito a essas penas o cidadão que tiver ciência do acusado e, mesmo assim, compartilhar notícias falsas sobre o candidato.
“É importante ressaltarmos que a única modalidade de fake news criminalizada até o momento é a eleitoral. Entendo que não há nenhum prejuízo à liberdade de expressão, uma vez que o controle é posterior à divulgação da notícia, e não prévio, o que configuraria censura”, destacou o advogado especialista em Direito Eleitora Acacio Miranda da Silva Filho.
Outra importante medida tomada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi a elaboração da Resolução 23.610/2019, que trouxe algumas inovações. Ela prevê que o candidato, partido ou coligação verifique a veracidade da informação nas propagandas eleitorais, inclusive veiculada a terceiros. Se um erro for cometido, a parte prejudicada terá direito de resposta.
Conscientização
Por conta dessas inovações, os eleitores e simpatizantes de partidos ou candidatos precisam ter bom senso antes de compartilhar as informações. O alerta é do secretário da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil - Subseção Santos (OAB-Santos), Bruno Esmério Neves.
“As fake news afetam a capacidade das pessoas fazerem o voto consciente e embasado com informações reais. Elas interferem de uma forma direta no pleito e comprometem a lisura do processo de escolha dos nossos governantes”.
Segundo o advogado especializado em Redes Sociais Raphael Vita Costa, a divulgação das notícias falsas é histórica em processos eleitorais da humanidade, mas esse tema passou a ganhar força com as plataformas digitais nos últimos anos.
“A melhor solução é a conscientização do eleitor. Se as pessoas não espalham essas informações, essa prática perde o sentido. Isso só se muda com um trabalho de educação. Precisamos explicar desde criança as consequência dos nossos atos na internet”.
Trabalho contínuo
O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) informou que seu presidente, o desembargador Nuevo Campos, iniciou uma série de audiências na Capital e no Interior do Estado com juízes eleitorais de vários cartórios. para destacar as ações de combate à desinformação.
A Justiça Eleitoral frisou que sua atribuição é reagir com celeridade a demandas que surjam, “mas o mais importante é que a sociedade esteja informada sobre a importância e a seriedade do tema e que leve em conta a ética e a verdade durante as campanhas eleitorais”.
Conteúdos que enganam
Falsa conexão - Quando manchetes, ilustrações ou legendas não confirmam o conteúdo
Conteúdo enganoso - Uso enganoso de informações para enquadrar uma questão ou indivíduo
Sátira ou paródia - Nenhuma intenção de prejudicar, mas tem potencial para enganar
Falso contexto - Quando conteúdo genuíno é compartilhado com informação contextual falsa
Manipulação de conteúdo - Quando a informação ou imagem genuína é manipulada para enganar
Conteúdo fabricado - Conteúdo novo, que é 100% falso, criado para confundir e prejudicar
Conteúdo impostor - Quando fontes genuínas são imitadas
Séculos de falsidade
(Fonte: Manual da Credibilidade - Projeto Credibilidade)
Século 4 A.C.
Otávio (que viria a ser o imperador romano Augusto) promove campanha de difamação contra Marco Antônio, acusando o amante da rainha egípcia Cleópatra de ser um mulherengo bêbado em breves inscrições
Século 6
No Império Bizantino, o historiador Procópio produzia informações falsas para ferir a reputação do imperador Procópio (foto acima). As crônicas de Procópio foram editadas no livro Anecdota, que só pôde ser divulgado após sua morte.
Século 16
Na renascença italiana, o poeta Pietro Aretino tentou manipular o conclave papal de 1522, escrevendo sonetos venenosos e com informações falsas contra todos os candidatos ao cargo, à exceção de Giulio de Médici, o patrono de Aretino. A estratégia não deu certo, pois Adriano
6 foi eleito. Aretino entrou para a história por exibir os sonetos perto de uma estátua, o Pasquino (foto acima), nas imediações da Praça Navona, em Roma. Vem daí a origem da palavra pasquim para caracterizar um veículo que produza informações falsas e sensacionalistas
Século 18
Às vésperas da Revolução Francesa, a circulação de rumores maldosos, muitos deles na forma de canções e poemas não mais extensos do que os tuítes de hoje em dia, levou à queda do ministério do Conde de Maurepas, secretário de estado do rei Luís 16. A saída dele, em 1749, alterou o panorama político, sendo considerada uma das causas da Revolução Francesa de 1789. Nesse período, os ilustradores inseriam o rosto da impopular rainha Maria Antonieta nas publicações, que ganharam uma nova vida, como propaganda política intencionalmente falsa. Embora seu impacto não possa ser medido, certamente contribuiu para o ódio patológico à rainha, o que levou à sua execução em 16 de outubro de 1793.
Homens parágrafo
Também no século 18, a Inglaterra também era um terreno fértil para a publicação deliberada de inverdades. Conhecidos como “homens parágrafo”, os cronistas de então circulavam pelos cafés e escreviam as poucas frases que iriam aparecer nos jornais. Alguns trabalhavam por dinheiro, outros se contentavam em manipular a opinião pública em relação a algum tema ou a atacar uma figura pública, uma peça de teatro ou livro
Século 19
O jornal The New York Sun publica seis artigos sobre a “descoberta” devida na Lua, afirmando que a fonte da informação era o astrônomo John Herschel
Século 20
Com a ascensão do nazismo, em 1933, Joseph Goebbels (foto acima) cria o Ministério do Esclarecimento Público e da Propaganda para disseminar mensagens incitadoras de ódio contra judeus, usando vários meios, inclusive o teatro e a imprensa
Influência é maior nas cidades de pequeno porte
Com experiência em coordenar diversas campanhas políticas no País, o publicitário e especialista em Marketing Eleitoral Fabiano Caldeira entende que a proliferação de informações falsas durante as campanhas tende a ter uma influência maior nas cidades de menor porte.
Para ele, quanto maior o município, a tendência é que os meios de comunicação tenham um trabalho consolidado e sirvam de “escudo” contra a divulgação de fatos inverídicos.
O especialista aponta que a “vacina” dos candidatos contra as mentiras é ter uma assessoria de comunicação muito antenada nas redes sociais. “É preciso ter um protocolo para a divulgação de notas oficiais à imprensa, no site e nas redes sociais para dar respostas rápidas”, destacou.
Papel da imprensa
A cientista política e professora universitária Rosemary Segurado entende que a produção de conteúdos falsos prejudica muito a tomada de decisão dos eleitores.
Por esse motivo, ela entende que a pessoa precisa ter cautela e checar a origem das informações para não ser enganada.
A docente destaca ainda a importância dos partidos e das campanhas atuarem nessa questão para garantir a lisura do processo. Caso contrário, o sistema democrático será abalado.
No mês passado, o Ministério Público Eleitoral em São Paulo propôs aos 33 partidos um termo de compromisso pela legitimidade, integridade e transparência das eleições 2020.
“Acredito que esse cenário de desinformação atual recoloca o papel que o Jornalismo tem na sociedade e retoma o seu lugar privilegiado de produção e de disseminação de informação de qualidade, obedecendo os critérios de checagem e de fundamentação da informação”, justificou.
A Justiça Eleitoral também destacou o papel da imprensa para aferir a veracidade do que está sendo divulgado e por se preocupar “em alertar o cidadão sobre a existência e alastramento de notícias falsas, abrindo espaço às instituições para prestar o devido esclarecimento”.