Eventos climáticos como o que atingiu a Baixada devem ser mais frequentes e graves

Afirmação é de Fabio Feldmann, especialista em Meio Ambiente e Sustentabilidade

Por: Tatiane Calixto  -  04/03/20  -  09:26
Eventos climáticos como o que atingiu a Baixada devem ser mais graves e frequentes
Eventos climáticos como o que atingiu a Baixada devem ser mais graves e frequentes   Foto: Arquivo pessoal

Mais do que uma questão meteorológica fora da curva, o que aconteceu na Baixada Santista é reflexo das mudanças climáticas e dos efeitos do aquecimento global.


Essa é a análise de Fabio Feldmann, que ao longo dos anos tem atuado em temas ligados ao Meio Ambiente e Sustentabilidade tanto nas suas passagens pela Câmara Federal, pelo Executivo, como secretário de Meio Ambiente em São Paulo (1995-1998), ou como consultor na área. Confira a entrevista:


Como podemos entender o que aconteceu na Baixada? É algo pontual ou, de fato, se relaciona com as questões de mudanças climáticas? 


A comunidade científica já vem alertando há muito tempo para o que, no jargão técnico, chamamos de eventos climáticos extremos. Estamos diante de uma situação típica prevista como consequência da mudança do clima. Isto é, alterações no ciclo hidrológico que, no caso concreto, é uma chuva muito densa, no espaço de tempo muito curto.


Vamos ter situações como essa especialmente em áreas como a Serra do Mar, que tem a instabilidade geológica que conhecemos. Então, é um volume grande de água, solo encharcado e despreparo para enfrentar essas situações. E daí, vem o deslizamento. A lição que temos que tomar em relação a isso é que temos que preparar a sociedade para situações como essa que serão cada vez mais recorrentes.
 
Dois pontos nessa fala do senhor. Como chegamos a esse cenário  e como preparar a sociedade? 


Nos  últimos 150 anos, temos lançado na atmosfera um volume imenso de gases do efeito estufa. E isso está provocando o aquecimento global que tem consequências diversas. Primeiro, no ciclo hidrológico que, como falamos, são chuvas muito intensas num espaço de tempo muito curto. Ou, em algumas regiões, o contrário: secas prolongadas.


No caso do litoral, ainda temos uma situação bem clara que é a elevação do nível do mar.  Então, a cidades litorâneas brasileiras, principalmente, instaladas na Serra do Mar, terão que reavaliar as áreas de risco. E quais áreas que antes não eram consideradas de risco passam a ser. Fora que é preciso realizar medidas de contenção mais intensas e de drenagem e escoamento da água. E vamos ser francos, as cidades não estão preparadas para enfrentar essas situações. 


Por quê?


Porque não têm redes de drenagem adequada. Ainda que a Defesa Civil esteja aí, ela está, mas é como colocar o telhado depois da estação da chuva. Do ponto de vista do clima, essas situações tendem a se agravar em termos de frequência. O que eram casos anormais serão cada dia mais frequentes. E o poder público precisa combater com muita intensidade as ocupações em área inadequadas.


E, de fato, temos uma situação que é o ovo e a galinha: o poder público fecha os olhos para as ocupações, as ocupações viram áreas de risco e, depois, o poder público precisa fazer o reassentamento dessa população que é algo difícil e caro. 


Já se discutiu e pesquisou-se muito sobre efeito estufa, mudanças climáticas... Mas, hoje, alguns grupos  questionam o aquecimento global...


Essa é uma dificuldade de momento, porque os negacionistas dizem que não é a mudança do clima, mas essa é uma tese ultrapassada por estudos científicos. Mas isso não impede a tomada de decisões dos governos, que têm sido muito lenientes em relação a metas efetivas de redução de gases do efeito estufa e as empresas também. E, no fundo, temos que fazer isso.


No caso do Brasil, o maior responsável (pelo efeito estufa) é o desmatamento, mas também temos que nos engajar em uma política de baixo carbono.  E a sociedade precisa entender que não dá para desmentir os deslizamentos, as mortes e tragédias. Em São Paulo, tivemos isso, Ubatuba teve tormenta no carnaval, Rio de Janeiro e Minas Gerais tiveram vários episódios com enchentes, e o que vemos é que a intensidade de chuva é anormal comparado às séries históricas. 


E enquanto cidadãos, o que podemos fazer? 


Temos que ser um cidadão consumidor consciente. Mas, com a dificuldade que nem sempre as informações estão disponíveis para fazermos nossa escolha. O poder público precisa obrigar a geração dessa informação: na cadeia de produção dessa salsicha, foi gerado tanto de gases do efeito estufa.


Como cidadãos, temos que cobrar nossos políticos compromissos para combater o aquecimento global. Senão, as tragédias serão cada vez mais frequentes. E corremos o risco de banalizar a tragédia e esses eventos despertarem cada vez menos atenção da sociedade, a não ser das pessoas próximas das vítimas diretas.


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