Vila Fabril sofre com os efeitos do tempo e preocupa moradores

Decisão judicial estipula preservação área de Cubatão, que já foi uma das principais vilas de operários do Estado

Por: Tatiane Calixto & Da Redação &  -  26/05/19  -  23:37
O complexo já contou com quase 200 moradias, de estilo inglês
O complexo já contou com quase 200 moradias, de estilo inglês   Foto: Carlos Nogueira/ AT

Pouco a pouco, a cidade de Cubatão está vendo parte de sua memória se deteriorar. Com paredes demolidas, telhas quebradas e cores que vão perdendo vida, a Vila Fabril está desaparecendo. Apesar da luta de moradores, o local sofre com a falta de cuidado. Agora, uma decisão da Justiça, que prevê restauro e preservação do que ainda resiste de pé, pode garantir a sobrevivência da história de uma das principais vilas operárias do Estado, numa corrida contra a ação do tempo.


Construída para ser moradia dos funcionários da então Companhia Santista de Papel, no início dos anos de 1920, em seu auge (entre 50 e 60), a Vila tinha cinema, clube, comércio e chegou a ser o centro cultural de Cubatão. Até hoje, moradores mais antigos afirmam que os melhores bailinhos e os mais animados carnavais da região tinham endereço certo: a Fabril. 


O time do bairro, o Comercial Santista, também rendia fins de semana animados. Aliás, foi numa manhã de setembro de 1956, no amistoso entre o Comercial e a equipe amadora do Santos, que um tal de Gasolina arrasou no campo da Fabril. Era Pelé.


Degradação


O complexo arquitetônico chegou a ter quase 200 moradias. Todas em estilo inglês. O verde e branco das casas e as minissentinelas – que prendiam as janelas venezianas – estão marcados na memória de quem já visitou o lugar. Mas, com o declínio da produção da fábrica e o seu fechamento, em 2012, a Fabril mergulhou em um processo de grande degradação.


Sentada em frente ao bar que há 35 anos comanda na Fabril, Eurídes Santana relembra os velhos tempos. “Eu trabalhava na cozinha da fábrica. Cozinhávamos para uma multidão. Era uma maravilha morar aqui”. Agora, ela lamenta e diz que ver a Fabril como está é triste. 


Tombamento


Há quase 15 anos, arrasta-se um processo na tentativa de tombar as casas e a Igreja Nossa Senhora Aparecida. O tombamento não foi concluído, mas só a abertura do processo já deveria garantir a preservação.


Segundo o historiador Wellington Ribeiro, que era presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Cubatão (Condepac) na época da abertura do processo, anos depois, em 2012, um decreto com o tombamento definitivo quase foi assinado. “Mas foi no ano em que o município tentava negociar para que a fábrica permanecesse funcionando. Os empresários pressionaram para não tombar, alegando que isso poderia engessar os planos de recuperação e dificultar a manutenção dos empregos. A administração da época optou por adiar a assinatura para garantir a vaga dos trabalhadores. Mas, no fim, a fábrica foi fechada”.


Ribeiro, hoje membro do Condepac, afirma que o órgão entende o valor da Vila e discute a melhor forma de preservar esse patrimônio.


Impasse referente a títulos de propriedade permanece


Caminhar pela Fabril é entender uma prática usada por grandes fábricas no início do século 20. “Elas criavam boas condições para seus funcionários e regravam a vida social deles. Uma forma de garantir que, estando bem, o operário trabalhasse melhor”, explica o arquiteto Rubens Alves de Brito, que é mestrando da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisa o patrimônio cultural de Cubatão. Por isso, a Fabril tinha escola, comércio e cinema.


A setorização do local também seguia essa ideia. Havia as casas para os operários e suas famílias, próximas à fábrica. Um lugar específico para operários solteiros. Já as casas dos chefes eram mais isoladas, contando com mais espaço, detalha Alves.


“Ao lado da Light e da Anilinas, a Vila Fabril é uma vila operária cubatense do primeiro período de industrialização do País. No segundo, a cidade passou a receber as indústrias petroquímicas. Esse primeiro período foi importante por conta do legado em relação ao patrimônio construtivo, com as vilas operárias”, explica o historiador Wellington Ribeiro.


Ele diz que, hoje, são poucas as vilas operárias preservadas no País, o que lança uma luz de protagonismo no que ainda resta em Cubatão. “Lembro que, há alguns anos, dentro de um encontro sobre patrimônio industrial, um grupo de europeus ficou encantado com o que temos aqui”.


Para Alves, com a inclusão de Cubatão na lista de municípios de interesse turístico, a recuperação da Fabril torna-se ainda mais importante. “Isso é uma vitória para a cidade e uma conquista de lideranças municipais de diversos setores, tanto públicos quanto da sociedade. Com a recuperação dos bens patrimoniais, a cidade poderá tornar-se uma Estância Turística”.


“Queremos que a Vila tenha sua importância histórica reconhecida”, diz Elenice Pinelli, que mora na Fabril e preside a Associação dos Moradores. “Só tenho boas lembranças dos bailes de Carnaval, das festas juninas na praça. Eu quero poder compartilhar e mostrar isso para muitas gerações”. 


Além da preservação da história, a associação ainda luta para que uma promessa feita aos moradores, de que as casas onde moram passariam para seus nomes, seja cumprida. Porém, esse é mais um impasse. Segundo a Prefeitura, “a Administração concorda em receber a área com regularização fundiária, mas não a área da vila operária”. Assim, um impasse permanece, já que não há acordo com a empresa.


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