Baixada Santista tem 70 pretendentes por criança para adoção

Processo pode demorar até quatro anos

Por: Maurício Martins & Da Redação &  -  09/09/19  -  00:51
Lançamento da Frente Parlamentar em Apoio à Adoção
Lançamento da Frente Parlamentar em Apoio à Adoção   Foto: Alexsander Ferraz/ AT

A Baixada Santista tem quase 70 pretendentes (casais ou pessoas sozinhas) para cada criança ou adolescente disponíveis para adoção na região. Dados informados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), com base nas Varas da Infância e Juventude (onde os processos tramitam) das nove cidades, mostram que, até julho deste ano, eram 415 habilitados para só seis crianças e adolescentes cadastrados.


A proporção regional de pretendentes é quase 12 vezes maior do que a média estadual, de 5,8 para cada criança/adolescente disponível. No Estado, são 10.975 pessoas ou casais preparados para adotar e 1.863 menores aguardando adoção. No País, o número diminui ainda mais: fica em 4,8, com 46.001 pretendentes e 9.534 crianças e adolescentes. Dados estaduais e nacionais foram fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).


Somente pelos números é possível perceber como o processo pode ser muito demorado. Mas, além da falta de crianças e adolescentes para a quantidade de pretendentes, há também um funil que dificulta a adoção: as características exigidas pelos futuros pais, que em geral querem bebês, brancos e sem problemas de saúde.


Nem mesmo o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), lançado em 2008 para unificar dados de todo o País, conseguiu dar rapidez às ações.


“Às vezes, as pessoas falam que os abrigos estão cheios de crianças e não entendem a demora. É uma visão ilusória, porque não significa que todas serão destinadas para adoção. Estão em abrigos por uma série de questões e as possibilidades de reintegração familiar precisam ser esgotadas”, explica o psicólogo judiciário Renato Martins dos Santos, que faz parte da equipe técnica avalia os pretendentes no Fórum de Santos.


O que fazer


Ele explica que os interessados em adotar precisam fazer o cadastro no site do CNJ (www.cnj.jus.br) e, com o protocolo e documentos indicados na página, devem procurar o Judiciário da cidade onde moram. O processo de habilitação demora de seis meses a um ano. O aval é dado por decisão judicial e o pretende vai para a fila.


“Ele tem orientação, passa por avaliações psicológica e de assistente social para análise da motivação, perfil e condições. Depois que entra para o cadastro, a espera costuma ser de dois a três anos para conseguir adotar”, afirma o psicólogo. 


Ele diz que o prazo varia de acordo com as crianças disponíveis e as preferências dos pretendentes. Crianças de até 1 ano são preferidas e raras no cadastro. “Há uma mudança lenta de pensamento, com gente propensa a adotar crianças de 2 ou 3 anos. Mas, acima de 6 anos, por exemplo, fica bastante difícil.” 


Promotora de Justiça da Infância e Juventude de Santos, Nelisa Olivetti de França Neri de Almeida explica que a maior parte dos que vão para adoção foi afastada dos pais por negligência e maus-tratos.


O uso de drogas é um dos motivos para a perda da guarda. Por isso, ela acredita que o processo não pode ser feito de forma rápida. “A análise precisa ser minuciosa, até porque a adoção é irrevogável.”


Ranieri e a mulher, Adriana, fazendo a festa com os filhos Vitório (à esquerda), de 6 anos, e Enrico, de 1
Ranieri e a mulher, Adriana, fazendo a festa com os filhos Vitório (à esquerda), de 6 anos, e Enrico, de 1   Foto: Arquivo pessoal

Espera longa e dois filhos para completar a família


Quando o advogado santista Ranieri Cecconi e a mulher, Adriana, resolveram entrar no cadastro para adoção, enfrentaram duas situações difíceis. A primeira foi a longa espera. A segunda, o questionário detalhado a que precisaram responder indicando as duas preferências.


“Quando você está preenchendo, se sente escolhendo uma coisa e julgando a si mesmo. O quanto eu tenho de desprendimento? O quanto eu sou humano para escolher uma criança com algum problema? Estipular critérios é bastante difícil. Procuramos ser os mais honestos possíveis”, diz ele. 


Em julho de 2013, três anos e meio depois de iniciarem o processo, eles adotaram Vitório, na época com 6 meses. Voltaram à fila e em 2018, quatro anos após o pedido, veio o outro filho, Enrico, com 2 meses de vida à época. 


Muita demora


Para o advogado, que conhece bem o sistema de Justiça, o processo de adoção é muito cansativo, como é a característica do Judiciário brasileiro.


“O tempo poderia ser 70% menor se o Judiciário funcionasse como deveria e como prevê a lei. Seria muito melhor para os dois lados. Não são raros os casos de crianças que acabam perdendo a família e ficando nos abrigos.” 


Cecconi lembra também que quanto mais restritas as preferências, maior a dificuldade de adoção. “Se colocar no questionário que quer menina, branca e com menos de 6 meses, são mais de cinco anos na fila. É um padrão muito difícil de se concretizar.”


Para ele, a falta de informação também é um empecilho para que mais crianças sejam colocadas para adoção. “A maioria das pessoas acha que dar o filho é crime. Mas uma pessoa pode ter um filho e não querer ficar com ele, renunciar ao poder familiar. As pessoas adotam condutas erradas.”


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