Aumenta número de bikeboys na Baixada Santista

A ampliação de aplicativos de entrega de comida e outros produtos criou uma nova categoria, para fazer frente aos motoboys

Por: Sheila Almeida & Da Redação &  -  17/06/19  -  14:19
iFood e Rappi deverão pagar um salário mínimo para os entregadores afetados pelo coronavírus
iFood e Rappi deverão pagar um salário mínimo para os entregadores afetados pelo coronavírus   Foto: Alexsander Ferraz/ AT

O despertador toca e Davi Fernandes de Goes, de 23 anos, já verifica os afazeres do dia. Ele gerencia uma empresa de luz e som e concilia a profissão com a de garçom. Viu que nem sempre era acionado e percebeu outra oportunidade. Resolveu colocar um baú de entregas nas costas e, todo horário de almoço, vai a uma estação do Bike Santos iniciar outra jornada de trabalho: entrega de marmitas de bicicleta.


O delivery – por aplicativo, de forma autônoma ou por contrato de trabalho – está aquecido no Brasil. Uma estimativa da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) indica que o mercado movimenta cerca de R$ 10 bilhões anualmente.


Não há números oficiais só de bikes, mas Davi não é o único de Santos que sequer a bicicleta comprou para isso. Percebendo tal movimento, especialistas apontam novas formas de precarização do trabalho.


“Isso sempre existiu. Acho que a gente só começou a perceber, porque a figura do ciclista carregando uma caixa de uma empresa famosa nas costas, pedalando tão desprotegido, deixa mais evidente a exploração”, explica a socióloga doutora em Ciências Sociais Ludmila Costhek Abílio, se referindo aos aplicativos. Ela é pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp.


Os dois lados da moeda


A questão é complexa. São 13 milhões de desempregados no Brasil. Na Capital, estima-se que o ganho diário, em média, seja de R$ 400,00 por bikeboy – termo utilizado pela empresa Bike Entregas em alusão ao motoboy.


Em Santos e na Baixada Santista, os trabalhadores acham difícil fazer uma média, porque muitos atuam por meio de aplicativos, mas outros, em empresas ou por conta própria. Então, o lucro depende muito do movimento.


Conforme pesquisa da Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O), 75% de 1.500 entregadores entrevistados tiveram sua renda melhorada quando passaram a utilizar plataformas (aplicativos). Tinham média salarial em torno de R$ 1.400,00 e passaram a ter ganho de R$2.100,00.


Do total, 88% deles tinham esse serviço como renda principal de seus lares e 72,3% preferiam trabalhar de forma autônoma, pela flexibilidade.


Por isso, para Marcos Carvalho, diretor da ABO2O, não há precarização. Em vez disso, surgiu uma função social, já que o Brasil está em 72º lugar em competitividade global e mercadológica, segundo dados do Fórum Econômico Mundial de 2018.


“Significa que o País promove barreiras diversas para as empresas se desenvolverem. Resumindo: burocracia. Os 13 milhões de desempregados são resultado de políticas públicas que dificultaram a vida do empregador, com altos tributos e taxas”, diz Carvalho.


Na opinião dele, é essa dificuldade que cria novas formas de prestação de serviço e geração de renda.


“O fantástico é que a própria economia revoluciona a relação entre empresas, prestadores de serviço e consumidores. Fala-se em precarização quando há emprego e as pessoas são forçadas a se submeterem a algo que não querem”, completa. “Porque o País tem falhas sistêmicas sérias e um potencial absurdo. Não dá para terceirizar a culpa para os aplicativos que dão oportunidade a 5,5 milhões de pessoas”, defende.


Uberização precariza o mercado de trabalho


Não só entregadores e motoristas de aplicativos são alvo de discussão sobre o tema precarização do mercado. Um novo termo – uberização do trabalho – se populariza desde que as empresas passaram a lucrar ligando clientes a prestadores de serviço, sem assumir responsabilidades antes previstas nessa relação. Várias profissões são atingidas.


Quem explica é Ludmila Costhek Abílio, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp. Segundo ela, a tendência tem sido transformar o trabalhador em nano empreendedor – dando o bônus, mas também o ônus dos riscos, custos e problemas daquele trabalho. Porém, sem obter todo o lucro.


“Essa nova forma de subordinação automatizada pelos algoritmos atrai uma multidão, mas não começou com carros por aplicativo. É um processo que junta décadas de mudanças no mundo do trabalho. É quase uma forma de eliminar o mercado formal. É para advogado, professor, médico, jornalista. Várias categorias estão envolvidas”, diz.


Sabrina Bueno, advogada cível e trabalhista, diz que a reforma trabalhista já nasceu desatualizada, pois não inclui a questão. Ela lembra de outra plataforma, o Get Ninjas – site que reúne prestadores de serviços, e quem cobra menos é indicado para o consumidor.


“As pessoas ganham dinheiro com isso. O que elas não entendem é que, muitas vezes, são exploradas por corporações multimilionárias que ganham de milhares de consumidores sem responsabilidade nenhuma e sem nenhum recolhimento de tributos”, aponta.


Cursos gratuitos para ciclistas conscientes


Dois cursos gratuitos em Santos são voltados a ciclistas que querem ser mais conscientes. Um deles, pela primeira vez, é para entregadores.


A iniciativa é da Associação Brasileira de Ciclistas (ABC), que promove o treinamento específico, com direito a certificado. O encontro, sempre às 16h30 das quartas-feiras, vai até 10 de julho, na Vila Criativa do Morro da Penha (Rua Brigadeiro Newton Braga, 2).


O objetivo, segundo o presidente da ABC, Jessé Teixeira Felix, é dar mais orientação para quem quer entrar na profissão de entregador. “Hoje, todo mundo quer agilidade, mas não tem que montar na bicicleta, colocar uma caixinha nas costas e sair. Precisa ter noção de trânsito, de segurança e responsabilidade. Isso se torna cada vez mais importante quando a gente vê empresas e plataformas recrutando cada vez mais”, aponta Felix.


O curso abordará o mercado, a segurança no trânsito, o mapeamento de ciclovias e dicas de transportes.


Quem não quer ser entregador, mas gostaria de fazer um curso tem outra opção. A Companhia de Engenharia de Tráfego de Santos (CET-Santos) promove em suas dependências, na Avenida Rangel Pestana, 126, uma capacitação para todos os ciclistas. Ela acontece às segundas-feiras, em dois horários: 9h ou 14h.


Regiane Andrade, gerente de Comunicação e Educação para o Trânsito da CET Santos, explica que qualquer pessoa pode fazer o curso. Mas quem tem a bike apreendida numa blitz ainda tem a oportunidade de, em vez de pagar multa para sua retirada, assistir ao curso e pegar a magrela de volta, de graça.


“A bicicleta é um veículo. Muita gente não se atenta que, por isso, precisa respeitar o Código de Trânsito. Quem é habilitado conhece as regras. Quem não tem habilitação, muitas vezes, não”, ressalta.


A inscrição é feita pelo e-mail gced@cetsantos.com.br. No dia só levar RG.


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