Advogados julgam insuficientes e perigosas medidas de Bolsonaro por manutenção de empregos

Presidente anunciou nesta tarde que vai revogar artigo mais polêmico, que prevê suspensão do contrato de trabalho e salários

Por: Matheus Müller  -  24/03/20  -  01:30
Bolsonaro sobre preservar o ambiente: 'É só você fazer cocô dia sim, dia não, que melhora bastante'
Bolsonaro sobre preservar o ambiente: 'É só você fazer cocô dia sim, dia não, que melhora bastante'   Foto: Isac Nóbrega/PR

A Medida Provisória (MP) 927, editada pelo presidente Jair Bolsonaro e publicada na noite de domingo (22), gerou insegurança entre os trabalhadores com carteira assinada, por conta de uma possível suspensão do contrato de trabalho e salários por até quatro meses.


A decisão, no entanto, durou pouco, até por volta das 14h desta segunda-feira (23), quando foi anunciado o pedido de revogação deste artigo. O texto interfere na Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) neste período de luta contra o avanço do coronavírus (Covid-19).


Apesar do recuo por parte do Governo Federal, advogados trabalhistas acreditam que muito ainda pode e deve ser melhorado, como a redução ou isenção de taxas e tributos das empresas, o que dará mais fôlego aos patrões para que consigam manter os empregos – segundo Bolsonaro, seu objetivo com a MP 927.


Ao mesmo tempo em que tal artigo deverá ser suprimido da Medida Provisória - ainda depende de publicação no Diário Oficial da União -, outras ações já estão valendo (veja abaixo). A MP do presidente entra em vigor a partir da publicação por até 60 dias, podendo ser prorrogada por mais 60, período em que estará sob análise do Congresso para eventuais alterações.


Ineficaz


Marcelo Pavão, que é advogado trabalhista e conselheiro da Associação dos Advogados Trabalhistas de Santos (AATS), considerou o primeiro texto assinado pelo presidente como algo “ineficaz” e “uma grande burrice”.


“Não adianta só olhar para o trabalhador ou empresário. Ambos fazem parte da mesma moeda. Um precisa do trabalho e o outro do trabalhador. É uma visão patética do direito trabalhista, algo que já vem desde a Reforma Trabalhista imposta pelo Governo Temer”, disse.


Ele defende uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que autorize, emergencialmente, uma renúncia fiscal dos governos perante as empresas. E acrescenta que “nenhuma medida dessas está viabilizando a manutenção do trabalho. Ninguém está abrindo mão da cobrança de água, luz, esgoto, impostos... Estão jogando a conta no trabalhador”.


De acordo com o advogado, mesmo após Bolsonaro ter publicado em sua conta no Twitter a seguinte mensagem: “Determinei a revogação do art.18 da MP 927, que permitia a suspensão do contrato de trabalho por até 4 meses sem salário”, o processo adotado pelo governo ainda apresenta falhas e gera insegurança.


“A revogação do artigo 18 facilita em um primeiro momento para o trabalhador, que não vai ter prejuízo no seu salário. Por outro lado, continua o problema do empresário, que terá que pagar tudo e não terá receita. Não adianta olhar apenas para um lado”.


Pavão cita, ainda, outro problema gerado com a publicação das medidas. “Depois de [colocar em vigor] uma MP que diz que durante quatro meses não pode pagar salário, o que acontece agora? O empresário vai falar: não tenho como te pagar, você está na rua. Por isso, volto a dizer, a melhor saída é uma PEC emergencial”.


Problemas futuros


O advogado trabalhista Wanderley Tedeschi ressalta que, apesar da publicação do presidente, é preciso aguardar o novo texto - que deve ser publicado nesta terça-feira (24) -, pois, segundo ele, a medida que mais pode gerar problemas era a da suspensão do contrato de trabalho e salários.


“Tenho certeza, pela experiência de pouco mais de 30 anos na Justiça do Trabalho, que os juízes não vão acatar [a suspensão] por ser inconstitucional”. A questão, no entanto, está condicionada à revogação do artigo.


O advogado acredita que, se a medida continuar vigorando, o prejuízo para as empresas será maior no futuro.


Tedeschi explica que, mesmo se o Congresso aprovasse a MP sem nenhuma alteração ao fim do prazo de até 120 dias (o que não acredita), nesse meio tempo a Justiça do Trabalho pode ser acionada e julgar inconstitucional a medida, o que acarretaria, por exemplo, no posterior pagamento dos meses sem receber mais encargos e multas.


Assim como Pavão, ele entende que os governos deveriam desonerar a folha das empresas.


Critério injusto


Para Fernando Paulino, advogado trabalhista, a MP 927 privilegia acordos individuais. “Afetará os trabalhadores e os micro e pequenos empresários, não sendo justo o critério utilizado para a suspensão de contrato, suprimindo ainda o direito ao gozo de férias, deixando praticamente à deriva o 1/3 constitucional”.


Outro ponto preocupante, segundo Paulino, é que a medida torne a função fiscalizatória do Poder Público em mera orientação. “É temerário, demonstrando que a intenção da MP é jogar todo o ônus da pandemia à iniciativa privada, seja empregado ou empregador, pois não impõe nenhuma desoneração de folha de pagamento ou redução tributária”.


Medidas


Teletrabalho (Home Office): É a prestação de serviço em casa. O empregado continua vinculado à sua jornada normal de trabalho, com direito a vale-alimentação, intervalo para almoço, enfim, com os mesmos direitos de quem trabalha na empresa, mas sem o vale-transporte. A opção pelo teletrabalho ficará a critério do empregador e deve ser informada ao funcionário com 48h de antecedência.


Antecipação de férias: Possibilidade da antecipação das férias. Deve ser comunicada ao empregado com 48h; não poderá ser inferior a cinco dias corridos; poderão ser concedidas ainda que o período aquisitivo a elas relativo não tenha transcorrido e o pagamento das férias deverá ser feito até o quinto dia útil do mês subsequente.


Férias coletivas: O empregador poderá, a seu critério, conceder férias coletivas e deverá notificar o conjunto de empregados afetados com antecedência de, no mínimo, 48 horas, não aplicáveis o limite máximo de períodos anuais e o limite mínimo de dias corridos previstos na CLT. Ficam dispensadas a comunicação prévia ao órgão local do Ministério da Economia e a comunicação aos sindicatos representativos da categoria profissional.


Antecipação de feriados: Os empregadores poderão antecipar, sem necessidade de anuência do funcionário, os feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais e deverão notificar, por escrito ou por meio eletrônico, os empregados com antecedência de 48h. Os feriados religiosos dependerão da concordância, por escrito, do empregado.


Banco de horas: Mediante acordo individual com o funcionário, pode-se ajustar que o período em que as atividades da empresa serão interrompidas será compensado do Banco de Horas ao longo de até 18 meses. A compensação de tempo para recuperação do período interrompido poderá ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, que não poderá exceder dez horas diárias.


Suspensão de exigências administrativas: Fica suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais. Terminado o Estado de Calamidade Pública, os exames deverão ser realizado em até 60 dias. 


Recolhimento do FGTS: Fica suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente. O pagamento das competências acima indicadas poderá ser feito em até seis parcelas mensais, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020.


Estabelecimentos de saúde: Os estabelecimentos de saúde, mediante acordo individual escrito, poderão: prorrogar a jornada de trabalho (mesmo em jornadas de 12x36); adotar escalas suplementares entre a 13ª e 24ª hora do intervalo entre duas jornadas. O empregador poderá suspender as férias ou licenças não remuneradas dos profissionais da área de saúde ou daqueles que desempenhem funções essenciais, mediante comunicação formal da decisão ao trabalhador, por escrito ou por meio eletrônico, preferencialmente com antecedência de 48h.


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