A Fé na Baixada Santista em tempos de pandemia

Apesar de vivermos tempos difíceis, a fé fortalece as pessoas na esperança de dias melhores

Por: Nathália de Alcantara & Da Redação &  -  01/06/20  -  22:19
Comitê regional fechou templos religiosos, como a Igreja do Embaré
Comitê regional fechou templos religiosos, como a Igreja do Embaré   Foto: Alexsander Ferraz/AT

Religiosos elencam lições da quarentena


A fé em Deus, no outro e em dias melhores se fortalece a cada dia, apesar de vivermos a pandemia de coronavírus. Ao mesmo tempo em que muitos conhecem alguma vítima da doença que assola o mundo, as pessoas se unem durante a adversidade com o sentimento de esperança, a fim de aprender e ter novo olhar sobre a vida.


A Tribuna ouviu líderes religiosos sobre quais lições são ensinadas à humanidade. As respostas você confere nesta página.


“A fé nos ajuda sempre. Mas, aonde chegamos com essa resposta? Fé é relação. No caso, relação com Deus. Não se refere a um sentimentalismo”, explica o mestre em Teologia Francisco Emílio Surian, coordenador do curso de Teologia para Leigos da UniSantos. “A maturidade da fé faz a diferença: constrói caminhos de superação, conduz a pessoa a um estado de espírito de tranquilidade. Por isso, podemos dizer que a fé sai fortalecida depois que tudo passar. Jamais podemos duvidar da graça de Deus, que escreve reto em linhas tortas”.


A mestre em Ciências da Religião Mariza Galvão diz que o momento é de profunda introspecção, de revisar o que foi, o que é e o que pode ser a vida. “Meditar é o movimento de ir para dentro e sair vislumbrando o novo, as possibilidades. Quem tem fé não fica paralisado. Quem tem fé se movimenta”.


Igreja Católica


O bispo Diocesano de Santos, dom Tarcísio Scaramussa, acredita que a religiosidade diz respeito ao que dá sentido a nossa vida e a relação com Deus. “Nessa visão, ela está na base de tudo o que fazemos e das motivações que temos para viver, tenhamos fé ou não. A pandemia expõe muitas feridas da sociedade, entre as quais se destacam a desigualdade e o egoísmo prevalente nas relações.


É chocante constatar como o drama de tanto sofrimento e morte não chega a sensibilizar muitos”. Para o bispo diocesano, a religiosidade é alimentada pelo encontro com Deus na oração, na sagrada escritura, no encontro com a comunidade de fé e no amor aos outros (especialmente aos mais pobres).


“Espero que façamos uma leitura humanizadora da pandemia, para superar a desigualdade e o egoísmo que geram tantas mortes e sofrimento. Podemos inspirar-nos no testemunho de tantas pessoas que têm demonstrado grandeza, com amor, altruísmo e solidariedade, trazendo muita esperança. Podemos ver aí a luz no fim do túnel!”.


Igreja Ortodoxa da Diáspora Grega no Brasil


Aproveitar o momento de quarentena prolongada é a recomendação de dom Daniel de Chrisopouleos, bispo da Igreja Ortodoxa da Diáspora Grega no Brasil e ex-reitor da Igreja Ortodoxa São Jorge de Santos.


“A pandemia colocou todos na mesma situação. E quando digo isso é sobre toda a humanidade, que seja ou não cristã, ainda que se pratiquem outras religiões ou mesmo para quem não tenha fé. As pessoas estão em vigilância, com medo de se contaminarem. E vivenciando uma quaresma prolongada, se recolhendo em casa com suas famílias”.


Dom Daniel lembra que não víamos uma situação como a atual desde a gripe espanhola (pandemia de vírus influenza que se espalhou pelo mundo entre 1918 e 1919, matando pelo menos 50 milhões de pessoas. “A grande lição é percebermos como somos pequenos como seres humanos. Ainda mais diante de uma ameaça global”.


Judaísmo 


Que as pessoas tenham uma nova visão de mundo: é o que espera o presidente da Sinagoga Bet Jacob, Jaques Zonis. “Haverá outro tipo de amizade, de convivência e de vida. Não temos uma previsão de abertura e seguimos com as portas fechadas. Tudo é feito pela internet, sendo transmitido de vários lugares e para diversas pessoas, que seguem participando. Esse tem sido o único jeito”.


Ele diz que não há uma posição certa sobre a pandemia de coronavírus nem uma explicação do motivo pelo qual a humanidade enfrenta tempos tão difíceis. E que é natural sentir falta de se relacionar com as outras pessoas. “Ninguém tem uma posição certa, porque é uma coisa nova e diferente. É algo bastante complicado. A gente espera que passe logo, porque está muito feia a situação.


Foi algo totalmente inesperado e repentino, que começou matando muitas pessoas. Está muito perigoso sair na rua nem podemos falar com alguém. A gente espera que descubram vacina ou remédio ou vacina para isso”.


Igreja Anglicana


As consciências coletiva e ecológica devem sair fortalecidas no pós-pandemia, defende o reverendo Leandro Antunes Campos, da unidade Santos. “Chegamos até aqui pelas nossas escolhas. Para que isso não se repita, temos de mudar nossas decisões. Pensem mais na sociedade e menos no consumo e em destruir o planeta.


Quando sairmos dessa, não podemos continuar com nossas práticas antigas”. O reverendo lembra que, quando a pandemia começou, seus fiéis estavam no meio da quaresma cristã. “Essa época tem justamente a perspectiva de fazer com que olhemos para dentro de nós e reconheçamos nossas falhas para tentar melhorar. A ideia é melhorar para a gente e também o mundo ao nosso redor. O período foi prolongado este ano, por conta da pandemia”.


Após todo esse período, explica o líder religioso, vem a Páscoa, que significa ressurreição. “Que possamos sair dessa situação de maneira criativa e com novos relacionamentos com a sociedade, com o divino e com o nosso planeta”.


Umbanda e Candomblé


O momento pede reflexão, alerta o presidente da Federação Nacional da Religião Orixá (Fenorixá), Gladston Ti Èrìnlè.


“É preciso que a humanidade veja que foi necessária uma pandemia para que todos se unissem de fato a um só pensamento, caminho e verdade, que é a fé. Independentemente de dogmas, é necessário ter fé em um criador, seja qual for o nome que ele leva”.


O babalorixá explica que cada um dos segmentos trouxe seus fiéis para uma realidade na qual o amor ao próximo é fundamental. “Esticar a mão e querer ajudar é o mais importante. Estamos orando e pedindo ao senhor criador do universo que fortaleça e acalente todos os familiares das vítimas dessa doença. Podemos entender que, neste momento, a união e o amor são a base de tudo, sejam as pessoas ricas ou pobres, brancas ou negras.


O momento é o de olhar para o outro, de pregar o bem. A nossa fé deve estar presente em todos os momentos, principalmente agora, no meio da dor, do sofrimento e das dúvidas”.


Bola de Neve Church


Estar em um casulo, prestes a sair e virar borboleta pronta para voos mais altos é a comparação que o pastor da unidade Guarujá, Luiz Felipe Galasi Raso, faz com a atual realidade.


“Temos a oportunidade de restaurar o âmbito familiar. Estamos ‘quarentenados’ e vendo o senhor Jesus transformar as relações familiares. O marido voltando a conversar com a esposa, o pai tendo mais tempo para o filho. A pandemia voltou os nossos olhos para a importância do tempo e da atenção com a família, de ter a disponibilidade que não havia até então”.


Para o pastor, é fundamental se apegar à fé, que na realidade é a vontade de Deus para lapidar e trabalhar o contexto familiar. E também de não ser orgulhoso e afastar as pessoas que vivem com você.


“Jesus Cristo desenvolveu seu ministério dentro do ambiente familiar. Ele tinha uma convivência de família, de dormir no mesmo lugar que seus discípulos e comer junto com eles. Era uma intimidade de irmãos, de um pai com os filhos”.

Islã


Tudo o que acontece com o ser humano é da vontade de Deus, explica o presidente da Sociedade Beneficente Islâmica de Santos e Litoral Paulista, Salah Mohamad Ali. “Tanto as epidemias quanto as coisas boas na vida só acontecem com a vontade de Deus.


Nosso mundo tem passado por essa pandemia que acontece por motivos humanos, sem jogar a culpa em países ou grupos, e a grande lição é o valor da vida humana. Ela é sagrada. Uma pessoa que fica isolada, longe dos filhos, de familiares e amigos, e se isola para se proteger, dá valor para a vida novamente. Dá valor para a circulação, para a visita das pessoas”.


Salah convida as pessoas a ficarem em casa pensando sobre seus valores. “O mundo está com as relações invertidas. Não existe mais respeito pela natureza, pelas regras de Deus e pelo próximo. Até as pessoas de pouca fé já começam a refletir sobre a importância da vida e o valor das coisas e dos semelhantes, refletindo sobre o que não se importavam e hoje sentem falta”. 


Igreja Batista


Os novos tempos de pandemia de coronavírus têm equalizado as pessoas, na opinião do pastor Felix Marinho de Albuquerque Junior, da Igreja Batista do Marapé, em Santos. “Ela tem mostrado a fragilidade das pessoas diante de situações adversas e que não estão sob o nosso controle.


A pandemia tem equalizado a humanidade, pois traz sofrimento a todas as classes sociais e nacionalidades”. Para o pastor, a ansiedade tem sido o grande mal do século. “O sofrimento antecipado de coisas que não sabemos se vamos sofrer ou viver é muito ruim. Devemos levar um dia de cada vez. Jesus dizia que basta o dia de hoje. Deixe o dia de amanhã para amanhã”.


A busca por respostas, na visão de Felix, tem levado muitas pessoas a uma religião. “É realmente preciso, nesses tempos que temos vivido, ter fé naquilo que realmente dá esperança ao coração. Sempre digo que pessoas precisam de Deus, mas pessoas também precisam de pessoas. Ame a Deus acima de todas as coisas, ame ao próximo como a si mesmo”. 


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