Inadimplência atinge 644 mil pessoas na região; como chegamos a isso?

A Tribuna On-line analisou dados regionais do Serasa e procurou especialistas para entender esse cenário

Por: Daniel Keppler  -  31/10/18  -  11:00
Para especialistas, brasileiro não se prepara para enfrentar urgências
Para especialistas, brasileiro não se prepara para enfrentar urgências   Foto: Reprodução

As nove cidades da Baixada Santista possuem 644.653 pessoas inadimplentes, segundo dados do último mês de julho da Serasa Experian. Para efeitos de balanço, é considerada inadimplente a pessoa que tem uma conta em aberto, ou seja, não paga ao seu credor. Analisando os números por município, Santos é onde está o maior número de consumidores incapazes de honrar as dívidas (141.079), seguido por São Vicente (132.618), Praia Grande (112.273), Guarujá (108.314), Cubatão (40.881), Itanhaém (37.700), Peruíbe (25.050), Bertioga (24.775) e Mongaguá (21,963).


No entanto, ao colocar os dados em perspectiva sobre a população em idade ativa estimada pelo IBGE, relacionada ao público maior de 18 anos, o cenário muda. A cidade com mais endividados da Baixada Santista passa a ser Bertioga, com 59,34%, seguida por Mongaguá (55,12%), Itanhaém (53,42%), Peruíbe (52,56%), São Vicente (50,43%), Praia Grande (49,19%), Guarujá (48,56%), Cubatão (44,43%) e Santos (41,01%).


Mix de razões


A Tribuna On-lineprocurou especialistas para explicar esse cenário. Doutor em Economia, Ricardo Hammoud aponta que a situação extrema de endividamento da população é resultado de razões estruturais e conjunturais que atingem o País ao mesmo tempo.


Estruturalmente, a grande questão é o hábito do brasileiro de gastar mais do que ganha, algo que Hammoud chama de "cultural". Colaboram para isso, entre outras razões, o uso indiscriminado de ferramentas como cartão de crédito e cheque especial.


Marchione dos Reis Ferreira, economista e Delegado Municipal de São Vicente no Conselho Regional de Economia (Corecon), concorda com a análise. "É como se considerassem parte do salário, e isso é errado, pois é uma disponibilidade falsa: as despesas aumentam, mas a renda é a mesma", diz.


Para ambos, contribui negativamente para esse cenário a postura das instituições financeiras, que muitas vezes condicionam a regularização de uma dívida à contratação de novos produtos por parte de seus clientes - como empréstimos ou um seguro. "As instituições são pressionadas a vender, e por isso o gerente do banco acaba não ajudando o devedor como poderia", lamenta Ferreira.


Por sua vez, Hammoud também lembrou outra questão central de comportamento: a falta de educação financeira. "O brasileiro não poupa. Assim, não se prepara para urgências, como questões de saúde por exemplo. Assim, precisa se endividar para resolver essas situações e corre o risco de acabar inadimplente", explica.


Influência da crise


Segundo os especialistas, a conjuntura atual vivida pelo Brasil, de crise política e econômica, tem gerado grande incerteza e ajudou o índice de desemprego medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a chegar em 12,3% no trimestre encerrado em julho.


"É a crise mais grave da nossa história, e justamente pelo fato de o brasileiro não se preparar para esse tipo de situação, acaba se endividando. Pois em um momento deixa de ter renda, e por não ter renda deixa de pagar as contas", ponderou Hammoud.


Ferreira concorda, acrescentando que a crise gera temor até mesmo entre quem possui renda. "Quando há dificuldades de adequar as finanças às suas dívidas, é comum que a pessoa atrase certos pagamentos, pelo medo de faltar dinheiro ou de perder o emprego".


Segundo eles, somente políticas de educação financeira, principalmente quando ensinadas desde a escola, podem ajudar a população a lidar melhor com suas contas.


Questões regionais


A Reportagem questionou ao delegado Marchione possíveis razões para que Santos e Cubatão sejam, proporcionalmente à população em idade ativa, as Cidades com menos endividados na região, e Mongaguá e Bertioga com maior índice.


"Cerca de 30 a 40% da população jovem de Santos trabalha na Capital. O restante se divide entre instituições financeiras, o setor de serviços e o Porto. São segmentos pujantes, e que contratam muito e pagam melhor. Já Cubatão, que havia passado por problemas devido ao fechamento da Usiminas, agora vive uma retomada devido à injeção do dinheiro relativo aos acordos trabalhistas dessas demissões. Muitos se recolocaram no mercado, e cerca de cinco a seis mil empregos, diretos e indiretos, já foram criados na Cidade", explica.


Já com relação a Mongaguá e Bertioga, ele explica que grande parte da População Economicamente Ativa trabalha e estuda em Municípios vizinhos, como Santos, São Vicente, Praia Grande e Guarujá, deixando de gerar renda na economia local. "Por isso talvez seja injusto colocar (as cidades) dessa forma", considera.


Para ele, porém, o cenário é de leve otimismo. "A partir de 2019, independente do presidente eleito, os planos de governo, deverão girar em torno de solucionar a questão do endividamentos da geração de emprego. Isso ajudará a melhorar esses dados de inadimplência e até mesmo nos dados sobre a criminalidade, por evitar que as pessoas busquem alternativas ilegais de sobrevivência", finaliza.


E quando sair da lista?


Por fim, Hammoud falou sobre uma outra questão fundamental: e quando esse devedor limpar o nome, o que deve fazer para não voltar à "lista negra"?


Para ele, programas de governo que facilitem a regularização de dívidas, como os que foram propostos durante a campanha eleitoral desse ano, são "absurdos", pois estimulariam o retorno desses consumidores ao chamado "consumo irresponsável" e os trariam de volta às dívidas.


A Reportagem pediu a ele para dar algumas dicas de como evitar esse cenário. Não é algo fácil de seguir à risca, mas com esforço e disciplina é possível. Confira as dicas:


Acima de tudo, resistir a tentações e impulsos de consumo.
Cortar ou limitar canais de acesso a crédito fácil como cartão de crédito e cheque especial.
Não ter mais que um cartão de crédito, se necessário, e com renda compatível ao salário.
Evitar ao máximo parcelar compras.
Poupar cerca de 25 a 30% da renda para imprevistos futuros como desemprego.
Nunca poupar o que sobra no fim do mês, e sim reservar o valor logo ao receber o salário.


Dinheiro não dava para as contas


"Os pedidos pararam de chegar, e o dinheiro não dava mais para todas as contas. Não fiquei devendo porque quis". O desabafo é de Sandra (nome fictício), de 46 anos, moradora de Santos. Ela, que é cozinheira e trabalha com encomendas de doces e salgados, investiu em seu negócio antes de a crise econômica se agravar no Brasil e agora sofre com seus efeitos.


Se em meados de 2016 houve semanas em que ela sequer conseguia um "dia de folga", 2017 foi um ano em que as dificuldades já começavam a aparecer, havendo meses em que ela mal conseguia lucrar após pagar as despesas. Mas esse ano, tudo piorou mais ainda. Dificilmente Sandra trabalha mais do que quatro vezes na semana.


Com isso, foi ficando cada vez mais difícil pagar as contas, principalmente o empréstimo tomado para comprar os equipamentos profissionais de sua cozinha. Foi essa dívida, atrasada desde junho, que provocou a negativação do nome da cozinheira, juntando-a a outros 644,6 mil moradores da Baixada Santista que não conseguiram honrar suas dívidas. Um número expressivo, cuja gravidade aumenta ao se verificar que representa 47,75% dos cerca de 1,35 milhão de maiores de 18 anos que residem na região.


Ou seja: na prática, uma em cada duas pessoas em idade ativa (PIA) da Baixada Santista possuem algum débito em aberto na praça.


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