“Eu nunca tive satisfação em participar das competições, eu sempre quis ganhar”, diz Cesar Cielo

Nadador de 31 anos conversou com A Tribuna e falou sobre sua carreira e sobre o panorama do Brasil no esporte

Por: Régis Querino  -  12/11/18  -  12:35
Cesar Cielo esteve em Santos para divulgar seu projeto de novos nadadores
Cesar Cielo esteve em Santos para divulgar seu projeto de novos nadadores   Foto: Carlos Nogueira/AT

Dono da única medalha de ouro olímpica do Brasil na história da natação (nos 50 metros em Pequim-2008), o paulista Cesar Cielo, de 31 anos, não descarta a participação nos Jogos de Tóquio, em 2020. Para que a possibilidade ganhe força, o primeiro passo é manter a performance vitoriosa no campeonato mundial de piscina curta (25 metros), em dezembro, na China. Em edições anteriores, Cielo soma 10 medalhas: cinco de ouro, uma de prata e quatro de bronze. Entre competições, treinos e objetivos, o multicampeão, que também tem seis medalhas de ouro em Campeonatos Mundiais, ajuda a formar nadadores e cidadãos por meio do projeto Novos Cielos. No último sábado, em Santos, ele ministrou uma aula gratuita a atletas, professores, técnicos e estudantes de Educação Física. Nesta entrevista, falou sobre os planos e de como vê o futuro da natação e do esporte no Brasil.


Como o seu projeto pode ajudar a formar novos nadadores para o Brasil?


Nesse começo não vai ser muito bonito com relação a resultado. Hoje, tem uma base muito grande, o 0 a 8 anos no Brasil é 80% da natação brasileira. A gente tem na seleção e no alto rendimento só 3 mil nadadores, então a gente precisa trabalhar essa base de forma mais efetiva, com metodologias que mantenham esses atletas motivados e com vontade de nadar. Querer ensinar um (nado) borboleta a uma criança de 9, 10 anos, exigir que ela nade 200 metros, 400 metros, para mim não soa coerente. Eu quero que eles brinquem até uns 12, 13 anos e se virem que a praia deles é essa, começa um treinamento mais focado. A gente precisa deixar a natação mais leve, ligada à educação. Acho que hoje o brasileiro está pensando que esporte é competitivo. E a competição dá 2% dos praticantes de esporte, do alto rendimento. A gente precisa dar chance a esses 98% da base usarem o esporte como educação, saúde, lazer, inclusão social. O esporte competitivo tem que estar lá embaixo nessa escalada. Espero que com esse novo governo e o esporte voltando a ser uma secretaria do Ministério da Educação, a gente volte a ter educação física nos colégios.


Mas a extinção do Ministério do Esporte não é dar um passo atrás quando se fala no desenvolvimento do esporte no País?


De forma nenhuma. A gente precisa de um olhar específico e carinhoso para o alto rendimento? Precisa, mas a gente ter uma entidade voltada ao alto rendimento não é uma coisa que está funcionando, estamos vendo os esportes encolhendo cada vez mais. A gente precisa voltar a trabalhar a base, trabalhar o esporte nas escolas, que é onde a gente tem a oportunidade de fazer todo mundo praticar um pouquinho. O brasileiro precisa começar a ver de novo que o esporte não é só educação. É social, é saúde, mas é um meio de ascensão também. Não é só o jogador de futebol que pode mudar a vida através do esporte. Se você é um grande ginasta como o (Arthur) Zanetti, a Daiane dos Santos, o Thiago Braz no salto com vara, a Fabiana Murer, esses caras aí mudaram a vida deles e da família praticando esporte olímpico. Espero que o brasileiro veja isso também. Ele vai praticar judô, vôlei, handebol. Pode passar um período na Europa jogando handebol que vai ser uma experiência de vida impagável. Mesmo que ele volte e não se torne um atleta olímpico, medalhista, ele volta com uma bagagem fantástica e pode ser um profissional diferenciado na área dele.


Como você vê a nova geração da natação brasileira?


A geração que está vindo é muito boa, a gente tem um grupo de atletas bem legal, capacitado. Eu sou do mantra que ir para os Estados Unidos voltou a ser a melhor opção, de longe. Aos jovens que estão treinando: se vocês têm oportunidade de ir para os Estados Unidos com algum tipo de bolsa acadêmica, a família tem capacidade de bancar uma universidade nos Estados Unidos, experimentem, porque hoje a gente tem pouquíssimas equipes para treinar no Brasil. Tem que ser nadador do Minas, do Pinheiros, do Corinthians ou da Unisanta.


Houve mudanças na Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) com a saída do ex-presidente Coaracy Nunes, acusado de corrupção?


Acho que a gente precisa instalar a governança corporativa na CBDA, prometida pelo presidente atual (Miguel Cagnoni). A gente deu apoio pra ele nessa candidatura porque ele era a favor de instalar a governança. Esperamos que isso aconteça, além de transparência. Ter os contratos e salários dos funcionários da entidade disponíveis na internet.


A CBDA definiu critério para viagens internacionais dos atletas de alta performance. Medalhistas olímpicos e mundiais terão direito a voos e hotéis de categorias superiores. Isso pode causar mal-estar?


Provavelmente um ciuminho (risos), mas é natural, a gente está falando de esporte de alto rendimento. Serve até, de certa forma, como você estabelecer uma hierarquia. Você quer sentar lá na frente? Faz a sua parte, toda a chance está na sua mão. Eu já tive ciúme de algumas coisas de outros atletas e falei ‘eu também quero isso pra mim’. Espero que os atletas que estejam na seleção vejam dessa forma, é um incentivo legal para buscar resultados melhores.


Tóquio-2020 ainda está nos seus planos ou é uma possibilidade que você descarta?


A princípio todo o meu foco está no Mundial (de piscina curta). Se eu tiver um bom resultado lá, não sei como vai ser a minha reação. Se for um resultado ruim, provavelmente aumentará a vontade de fazer outras coisas.


Você disse, em uma entrevista recente, que a sua medalha de ouro em Pequim não foi bem capitalizada pelo Brasil. Por que o País não forma novos atletas bem-sucedidos?


Eu queria saber essa resposta também.


Onde estão as falhas?


Somos um povo que tem uma memória um pouco mais imediata e não dá tanto valor pra história. No caso da natação, hoje, a gente tem que falar do Ricardo Prado, do Manoel dos Santos, reconhecer esses caras, que a gente está onde está por conta deles, do legado que deixaram. A gente precisa saber reconhecer quem são nossos líderes, nossos ícones, e aprender mais com eles. No esporte, sobram histórias de pessoas que se superaram, que conseguiram sair do nada e conquistar um título mundial. Esse deveria ser o nosso modelo de personalidade, de atitude. Pra eles verem que independente de ser brasileiro, independente do seu passado, você pode ser bem-sucedido, você pode ser o melhor do mundo no que faz.


Qual o legado da Rio-2016, quando constatamos instalações olímpicas deterioradas e mal utilizadas?


Difícil. Esses dois últimos anos, não vou nem falar na história do esporte, o País como um todo foi um desastre. Então, na esfera esportiva, não foi diferente. Eu acho que a Rio-2016 foi boa até 2016, porque esse pós-Olimpíada, de fato, não só a minha medalha (em Pequim-2008), mas a própria Olimpíada (do Rio) a gente não soube capitalizar. Não soube usar as estruturas pra fomentar o esporte, pra que virassem estruturas importantes. A gente podia ter grandes centros de treinamento, já que estamos tão longe da Europa e dos Estados Unidos. Porque não usar as estruturas olímpicas pra fazer isso no Rio de Janeiro, como o vôlei faz com Saquarema (onde há o Centro de Desenvolvimento da modalidade)? O vôlei hoje é a nossa roda e a gente tem que imitar essa roda. O vôlei é o esporte que mais tem sucesso no Brasil há anos.


Aos 31 anos, Cesar Cielo quer formar novos nadadores brasileiros
Aos 31 anos, Cesar Cielo quer formar novos nadadores brasileiros   Foto: Silvio Luiz/AT

Após os 30 anos, atletas de várias modalidades começam a considerar a aposentadoria. Você já sente esse peso?


A idade não é problema. Fisicamente, biologicamente dizendo, meus testes estão vindo melhores do que nunca, eu estou com picos de força maiores do que eu já tive na minha vida inteira. Estou treinando com a molecada, arrebentando, o duro é a cabeça. Quando acordo de manhã, falo: ‘agora eu vou pra piscina quebrar os caras’... mas eu queria ficar na cama mais um pouquinho (risos). Mais velho, vai ficando mais difícil, principalmente já tendo conquistado os objetivos, mas eu tenho a oportunidade de nadar vários revezamentos nesse Mundial. E a gente tem uma história muito legal do Mundial de Doha (2014), onde fomos campeões pelo Brasil no quadro de medalhas. Dessa vez, acho que a gente não consegue ser campeão no quadro de medalhas, mas nosso objetivo, quem sabe, é terminar no top 3. E eu quero conquistar mais algumas medalhas, que pode ser minha despedida de Mundial, não vou mentir.


No seu curso você fala muito em vitórias, derrotas, alegrias e frustrações. Ficar fora da Rio-2016 foi a maior frustração de sua carreira?


Frustrações eu tenho de monte, se eu for colocar na mochila... (risos).


Qual é a frustração que pesa mais na mochila?


Acho que foi não ter feito a cirurgia nos meus joelhos antes de Londres (Jogos de 2012). Eu sabia que já estava em um momento muito difícil, fisicamente dizendo, e em 2011 eu fiquei com medo, porque não sabia se ia dar tempo de recuperar e atrapalhou muito o meu treinamento. Hoje, se eu pudesse voltar atrás e mudar alguma coisa, acho que eu ia falar pra mim mesmo: ‘pode fazer a cirurgia que vai dar certo’. Eu teria uma chance de ser bicampeão olímpico, que era de fato uma fase que eu estava nadando muito bem. É que no Brasil, que eu não participei, lógico que não é agradável pensar nisso, era uma fase da minha carreira que não iria tirar grandes resultados. Eu nunca tive satisfação em participar das competições, eu sempre quis participar pra ganhar.


Logo A Tribuna
Newsletter