Projeto de lei visa presídios longe da Baixada Santista

Texto na Assembleia pretende retirar unidades prisionais ou de ressocialização de cidades consideradas estâncias

Por: Eduardo Brandão & Da Redação &  -  05/07/19  -  01:28
São Vicente concentra a maior população carcerária da região; na foto, as penitenciárias da cidade
São Vicente concentra a maior população carcerária da região; na foto, as penitenciárias da cidade   Foto: Carlos Nogueira/ AT

Um projeto de lei (PL) apresentado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) pelo deputado Paulo Corrêa Jr (PATRI) pretende retirar unidades prisionais e de ressocialização de jovens infratores de municípios considerados de interesse turístico ou estâncias balneárias. O motivo: proteger os turistas nessas cidades.


Se aprovado, o PL 826/2019 inviabilizaria o sistema carcerário e as unidades da Fundação Casa na região e demais municípios do litoral paulista, bem como em outras 195 cidades do estado que se encaixam na definição de cidade turística ou de interesse turístico.


São Vicente é a que concentra a maior população carcerária local. Segundo a Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (SAP), 4,9 mil pessoas estão alocadas nas três unidades prisionais. Também está em construção uma penitenciária feminina para 834 detentas.


“A nosso ver, favorece, sim, o fomento ao turismo”, avalia o titular da pasta vicentina, Henrique Marx. Ele defende um amplo debate com os municípios a fim de colaborar para o aprimoramento da ideia.


Praia Grande e Mongaguá também contam com penitenciárias. Aproximadamente 9 mil detentos estão nas cinco unidades prisionais desses três municípios, cuja capacidade é de 5.243 pessoas. Exceto Cubatão e Bertioga, as demais cidades têm instalações da Fundação Casa.


'Mais distante, melhor'


A diretora de Turismo de Mongaguá, Vera Jardim, destaca que segurança ajuda a fomentar o setor. “Independentemente de sediar uma instalação de detenção, o Governo do Estado deve garantir o aumento do efetivo policial, mesmo fora da temporada, aos finais de semana e feriados”.


O presidente do Santos Convention & Visitors Bureau, Leonardo Carvalho, também é defensor da proposta. “É uma situação [instalação de presídios] que, quanto mais distante da gente, melhor”. Ele fala sobre a imagem arranhada das cidades fluminenses. “O Rio de Janeiro paga um preço gigantesco pela sensação de insegurança. Mesmo sendo uma cidade linda, [o turismo] sofre pela percepção de ser inseguro, o que afasta o turista”.


Fácil acesso  


Já o consultor e ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva Filho, afirma que a construção de unidades prisionais ocorre de forma técnica. “Os presídios são instalados em locais estratégicos, de fácil acesso rodoviário para escoltas e acesso a tribunais. Não pode ser em um local isolado para não atrapalhar a visita de familiares [dos detentos]”.


O especialista afirma que os novos presídios paulistas são dotados de dispositivos de segurança que evitam fugas. “[O PL] é um desses não problemas que alguém resolve mexer”.


Segurança dos turistas é o motivo da proposta


O deputado estadual Paulo Corrêa Jr, que é o autor da proposta, evoca questões de segurança dos turistas para justificar a apresentação do projeto do lei na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Segundo ele, a elaboração do texto ocorreu após uma rebelião numa unidade da Fundação Casa em Caraguatatuba, no Litoral Norte.


“Lá, é uma cidade tranquila, mas na época das saídas temporárias de detentos, tem o número de delitos quase que triplicado. Isso coincide com a temporada, momento em que as cidades estão lotadas”.


Outro projeto  


No fim do mês passado, o vice-governador Rodrigo Garcia (DEM) apresentou na Alesp o projeto de Parceria Público Privado (PPP) do sistema carcerário. “Então, por que não ir para esse caminho de mudança e renovação?”, indaga.


Corrêa Jr explica que a proposta deve ser inserida na pauta da Casa no primeiro dia útil de agosto (quando termina o recesso parlamentar), e após cinco sessões o texto será distribuído para as comissões internas.


Especialistas veem violação ao Estatuto da Criança


A eventual transferência de centros de ressocialização de jovens infratores para locais afastados da região foi criticada. Especialistas afirmam que a medida contradiz o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).


O juiz da Vara da Infância e da Juventude de Santos, Evandro Renato Pereira, explica que a legislação adota como metodologia de ressocialização abordagem na comunidade e com a família. “[O ideal é] trabalhar no território deles, de forma transversal, multidisciplinar. Internação é exceção”.


O vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDMA) de Santos, Edmir Santos Nascimento, indica que a distância dos familiares pode comprometer a recuperação do jovem.


Presidente da Fundação Casa por 12 anos (2005 a 2017) e atualmente secretária de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo, Berenice Gianella destaca, além da violação ao ECA no que diz respeito à distância da família, outros dois fatores avessos ao projeto de lei.


“Penso que não existam estatísticas confiáveis que relacionem o desinteresse pelo turismo em cidades que tenham unidades prisionais ou para jovens infratores”.


Além disso, a secretária entende que não é razoável tirar a responsabilidade dos municípios onde moram esses jovens. “Cada município precisa cuidar dos jovens, criando políticas adequadas”.


Estado inteiro


Corrêa Jr diz que a distância entre os familiares e internos já acontece por falta de unidades. “Via de regra, o jovem não está perto da família. Em Praia Grande, por exemplo, o centro recebe jovens do estado inteiro”.


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